quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Cenários de Sentido: apontamentos para uma ética intercultural

Por Márcio Mascarenhas*

Dois autores (Boff, 2004, e Mancini, 2000) buscam demonstrar os cenários de sentido
por onde pode se erigir uma ética universal, planetária, uma “macroética”. O desafio assumido, de distintas perspectivas e abordagens, pode ser resumidos como a “compatibilização” entre as diversas culturas, as variadas nações e os mais diversos pontos de vista hoje conhecidos. Mais, ainda, partem da prerrogativa de negar, veementemente, as teorias, de um lado, da antropologia atomista e hiperrelativista, e, de outro, a do pensamento único e da globalização (ou da inevitabilidade do “fim da história”).

Eis, em suma, o maior de todos os obstáculos: a busca de uma “justa medida” ou de uma “práxis política” que relacione (de forma dinâmica, consistente e contínua), de um lado, as diversas culturas (singularidades), e de outro o Mundo, aqui entendido como “oikos”. E como relacionar, compatibilizar e articular distintos “universos simbólicos”? Boff trata da renúncia ao poder (absoluto, centralizado) que reduz tudo e todos a objetos como algo contrário ao “modo-de-ser-cuidado” (aquele que funda as relações com as coisas). A intervenção necessária, pois, passa não mais pelo estilo “modo-de-ser-trabalho”, mas por outras dimensões calcadas no desvelo, no zelo, na diligência, no fundamento para a compreensão do ser humano e da natureza.

Mancini move-se por 3 dimensões ou funções, a saber, i) dimensão dialógica: embora se reconheça que não haja uma teoria formada, assume-se a importância da pesquisa como instrumento de maior conhecimento dos povos; ii) função normativa: conhecer e reunir elementos para um núcleo de valores que permita, de um lado, pensar DEVERES à práxis (deontologia), e de outro, pensar FINS que orientem um agir coletivo (teleologia); iii) função orientadora e prepositiva: o fortalecimento, a defesa e a garantia de uma abordagem e de uma perspectiva de Direitos Humanos; iv) exercício da crítica: não adotar o chamado “mal necessário” em função de um bem superior, ainda que por razões “sociais” e “culturais”.

Mas, finalmente, o que poderia calçar e sustentar um ética intercultural, uma macroética universal? Inicialmente os autores nos dão uma pista: “a universalidade se funda na proximidade”. Por isso, para uma ética intercultural, legítima e praxiológica (mas não utilitarista), observa-se:

a) Identificar valores e critérios comuns, afinal, todos “cuidamos” e somos “cuidados”, isso nos torna “iguais” em humanidade, e em possível e necessária comunhão;

b) trata-se, finalmente, de construir um novo Pacto Social, uma nova Tradução Social e Cultural. De modo algum se pretende assumir uma ideia de tradução como como elisão de identidades, mas sim de assumir que não se pode aceitar identidades estáticas;

c) realizar uma “tradução política": recuperar a intencionalidade da ética, reclamando uma reaquisição de poderes que hoje está a cargo do mercado dito globalizado, o qual instrumentaliza a política como um mero instrumento passivo;

d) tradução existencial: saber e reconhecer que existem sim indivíduos (e cuidar para nunca os subsumir e diluir no “coletivo”) e que é para esses também que deve ser apresentado um horizonte de esperança, um espaço de comunhão, um algo a ser cuidado que se lhes seja: i) útil, ii) libertador e iii) desejado;

e) por fim, toda a possibilidade uma universalidade da ética deve se assentar numa Cultura de Paz e nos Direitos Humanos. Criando e cimentando um novo cenário de sentido, um novo horizonte de esperança, uma nova humanidade.

Cabe, aqui, verificar como, na prática ordinária das ações cotidianas, de povos e gestores, essa intencionalidade pode ser concretizada. Os dados estão lançados e a teoria já se encontra avançada.

Bibliografia

Boff, Leonardo.” VII Natureza do Cuidado”, in: SABER CUIDAR. Ética do Humano – compaixão pela terra. Petropólis. Editora Vozes, 2004.

Mancini, Roberto ET alii. “Para uma ética política intercultural”. Éticas da Mundialidade: o nascimento de uma consciência planetária. São Paulo. Ed. Paulinas, 2000.

Feira de Santana, 05 de julho de 2010.



* Márcio Mascarenhas – Antropólogo, Consultor e Pós-graduando em Gestão Social de Pessoas (FAN - Faculdade Nobre)

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